domingo, 19 de fevereiro de 2012

Nossos gritos precisam ser ouvidos...Por Fabiano Airon

Querida Sociedade, meu nome é Fabiano, mas todos me chamam de Airon. Sou professor do Soul Feeling, um grupo de Dança de Rua. Sim, de rua. Esse lugar que você tanto ignora. Que tem vidas se criando, e você teima de os jogar pra debaixo do tapete. Hoje estou aqui expressando minha opinião, pois já cansei de ver a SUA predominando em todas nossas vidas. Em nossas meias-vidas. Pois a maioria das pessoas não vive, e sim só reproduz o padrão dito... adivinhe por quem? Por VOCÊ, SOCIEDADE! 
Tenho alguns fatos a divulgar. Em uma certa reunião, uma mãe reclamou do ônibus que nos foi concedido pela Prefeitura para irmos a Cruz Alta, num evento no qual iríamos participar. Segundo ela, pareciamos um "bando de cortadores de cana voltando da roça". Pois bem, sociedade. Uma mãe, que faz esse tipo de comentário, está ensinando pro seu filho o quê? Preconceito, ignorância, falta de tolerância. Subliminarmente, está dizendo que ser cortador de cana, não é uma profissão digna. Enfim, será que é o tipo de educação que queremos pros nossos filhos?
Numa outra situação, uma menina saiu do grupo, pois a mãe não queria que ela dançasse mais. A menina estuda em uma das escolas mais caras de Santo Ângelo. E ama dançar. Então, em uma conversa de MSN com a mãe, ocorreu o seguinte diálogo:

"Filha: Mãe! Deixa eu voltar a dançar, sério, eu não faço nada! Juro que se eu tirar uma nota abaixo de 7, eu saio da dança!
Mãe: Não dá, depois do feriado já começa as aulas, daí sim você vai ter muitas coisas pra fazer!
Filha: Não começa, mãe! Você sabe que só vou ficar dormindo em casa.
Mãe: Se você quer se exercitar, porque não na academia?
Filha: Porque sou muito nova pra academia! Se eu parar eu vou engordar mais ainda, e eu amo dançar! É tão legal! Se eu tivesse fazendo balé, você me apoiaria, que droga! Mãe, deixa eu continuar, por favor!
Mãe: Já disse que não!
Filha: Ai, mãe, que droga! Eu não vou fazer nada, nem tenho o que fazer, olha o montão de coisas que já aprendi!
Mãe: Eu sei, mas a mãe não quer mais você lá naquela escola.
Filha: Ai, não tem nada a ver! Posso ir de chinelo, posso ir de roupa rasgada se eu quisesse que eles não vão criticar! Não se importam com marca nenhuma, nem com nada! Em outros lugares todo mundo se importa!!!! Querendo ser melhor que todo mundo!!!!
Mãe: Porque não faz inglês ou canto?"

Então, Sociedade. O que você vê nesse trecho? Você diz que quer cidadãos honestos, que trabalhem, muito bem! Agora, será que estamos formando jovens com personalidade? Que tem opinião própria? No meu grupo, você pode entrar se for negro, branco, amarelo, vermelho, for emo, pagodeiro, rockeiro, gay, hetero, judeu, católico, evangélico, etc... se for tratar de dinheiro então, rico e pobres estão sempre juntos. Não divido, não segrego. Agora, o que você faz? A mãe, sempre bem arrumada, e a menina se sente bem com um shorts e camiseta. Não permite que a menina seja ela mesma, pois tem que se enquadrar nos moldes de quem? De você, Sociedade! Sem falar, que não temos NENHUM APOIO de empresa alguma ou das políticas publicas, se falando em suporte para viajarmos levando o nome da cidade e do Grupo. Vendemos truffas, pizzas, rifas, para poder levantar verba para podermos manter o stúdio (sim, com o empenho de pessoas que acreditam no nosso potencial, como meus pais e meus sogros, conseguimos montar nosso local de ensaio) e custear 
nossas viagens. Representamos Santo Ângelo Curitiba! E no Rio de Janeiro! Alguem dá bola pra isso? CLARO QUE NÃO! É mais importante pra você, Sociedade, saber quanto é o valor do ingresso no show da dupla sertaneja no principal point da cidade, ou se vai rolar o "adultério" na sexta-feira à noite. E aquela mãe, que não pode ver a filha sendo ela mesma, não a deixa vender nada pra arrecadarmos dinheiro para o grupo. Pois "onde já se viu minha filha vendendo essas coisas na rua, sendo que ela tem dinheiro". Pois, segundo ela, a filha não deveria se rebaixar para tanto. Tenho um aluno negro, que usa cabelo "black power", que foi taxado como "vagabundo" e "drogado" pelo patrão da irmã dele, que ouviu comentarios maldosos de quem? Da Sociedade!

Agora, Sociedade, sabe o que eu faço por você, tentando te salvar? Tenho um aluno, cujo o pai do mesmo (sim, isso mesmo, o pai, que é exemplo pros filhos) é viciado em crack. O menino, vulnerável socialmente, dança comigo desde 2008. Hoje tem 13 anos. Uma vez disse pra uma outra aluna minha, pois tinha vergonha de dizer pra mim, que sabe que se não fosse ele estar dançando, hoje ele estaria vadiando na rua, roubando e usando drogas. ELE DISSE. Ou seja, ele tem a consciência disso. 13 anos. Uma meia-vida ainda no começo, sendo salva, se tornando uma vida inteira. Tenho um aluno que não tem um braço. Meu amigo, o Pano, do grupo Atividade do Gueto, tem um menino espetacular que tinha paralisia em todo corpo, hoje dança, feliz. Eu ensino a vida, educação e humildade aos seus membros! Notou o que a filha disse naquele diálogo? Ela quer dançar, contando que vai estudar mais. Sublime forma de educar. Ela estuda, dança e TODOS SAEM GANHANDO! Ela está aprendendo uma coisa chamada RESPONSABILIDADE com isso. Ela sabe que se quer dançar, vai ter que se esforçar nas tarefas das quais são suas obrigações. Tenho um aluno, hoje com 23 anos, que já se drogou quando mais novo, e quando entrou no grupo fumava e bebia. Todo seu salário da profissão de mecânico, era direcionado pra seus vicios. Com o tempo, conseguimos tirar tudo isso dele, e nos demos algo melhor: QUALIDADE DE VIDA! 
Enfim, como você mesma pode ver no diálogo, a menina sentiu diferença do tratamento que ela recebe dentro do grupo de dança, e na escola, por exemplo. Roupas de marca, melhores maquiagens, iPods, notebooks. 

Uma colega dela, que já saiu do grupo, pois não aguentou a sua pressão, querida Sociedade, (através dos amiguinhos que insistiam que ela faltasse ensaio pra caminhar na praça, ou fazer junção), me contou que vivia excluída dos colegas no recreio, pois dançava no Soul Feeling. É o típico "se você não é da minha turma, você nao anda mais comigo". E ela saiu. Não importa como você parece, importa o que você é!!!! Quantas pessoas hoje em dia, perguntam "COMO VAI VOCÊ?" só por perguntar, não é? Deviam se interessar pelo "Olá, como foi seu dia?", ou o "Me conta um pouquinho sobre você." Melhor ainda: as pessoas devem parar de executar suas ações e julgamentos, a partir de poucos dados. Nada como CONVIVER pra conhecer, e assim não ter um pré-conceito. Ou seja, uma opinião antes mesmo de ter uma opinião.
Mesmo você sendo maldosa com a gente, tento te salvar, Sociedade. Uma vida, onde somente somos usados pra gerar renda pra poucos, sem termos o poder do pensamento e o dom de sermos livres pra sermos o que quisermos, não é vivida completamente. Por isso, nós artistas, vivemos completamente. Muitos de meus alunos, não vão seguir com a dança, mas vão aprender o respeito; a felicidade no ser, e não no ter; a ter alternativas pros problemas da vida; e o melhor: HUMILDADE.

Esse texto é um #Grito, de todos artistas de Santo Ângelo. Músicos, Artistas Plásticos, Dançarinos, Coreógrafos, Atores, Diretores, Produtores, e todos os outros trabalhadores da Arte que também mereciam ser citados. 

Seja de Rock, Rap, Samba, Dança Contemporânea, Dança de Salão, Jazz Dance, Longa Metragem, Teatro de Rua, Pintura Surrealista, CTGs, ou o que for. A Arte ensina a viver. Pois sabemos, que mesmo uns entrando no palco antes de outros, tendo posições de destaque maior que outros, mais tempo aparecendo, TODOS, no final, saem de cena. E esse palco se chama VIDA.

Por Fabiano Airon
Grupo Soul Feeling de Danças Urbanas
Coletivo Cultural Projeto Caos - Santo Ângelo - RS